Na última sexta-feira, dia 22/11, o Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde (PPGECS – Nutes/UFRJ), no âmbito do projeto de Internacionalização da UFRJ (projeto CAPES/Print) promoveu o seminário “Neoliberalismo, Educação e Lutas pela Democracia: Diálogos com Henry Giroux”. O evento aconteceu no Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (CET) da UniRio e foi coordenado pelos professores do Nutes: Gustavo Figueiredo, Vera Siqueira, Alexandre Brasil, Andrea Costa e Juliana Dias. A atividade contou com apoio do grupo de pesquisa GEASUR, liderado pelo Dr. Celso Sanchez.

O encontro com o professor Henry Giroux foi mediado pelo professor do Instituto Nutes, Gustavo de Oliveira Figueiredo, que desde junho de 2019 está atuando como professor visitante na McMaster University e trabalhando com o educador no Canadá. Giroux é um dos pioneiros em desenvolver o conceito de pedagogia crítica com trajetória de pesquisa que priorizou os Estudos Culturais. Atualmente, é professor da McMaster University, em Hamilton onde coordena a Cátedra em honra a Paulo Freire, com quem trabalhou e conversou ao longo de toda sua carreira.
O diálogo, realizado por videoconferência, teve como base as ideias desenvolvidas em seus últimos trabalhos sobre o papel da educação, da agência dos sujeitos e das redes de resistência coletiva em contextos de autoritarismo e forte ameaças à democracia. Giroux começou definindo e atualizando o conceito de facismo neolioberal apresentado no livro de 2018 e aprofundado em seu novo livro Terror of the Unforeseen (Terror do imprevisto, em tradução livre). Segundo ele, é um erro considerar o neoliberalismo como um sistema econômico apenas. Trata-se de um complexo mecanismo cultural que impregna o imaginário social. . “O sistema favorece a lógica do consumo, da propaganda, da publicidade, restringe às demais esferas do público à esfera econômica. Há uma construção da subjetividade neoliberal que mantém o consumidor isolado”, explicou. Há uma manipulação ideológica que estimula o consumo alienado em detrimento do interesse pelo bem comum e de uma sociedade mais justa.
O neoliberalismo é portanto um sistema político que individualiza e prepara os indivíduos para a lógica do livre mercado. Na sua versão contemporânea, tem incorporado estratégias fascistas cada vez mais autoritárias, sendo em muitos países incompatível com a própria democracia. Em suas palavras, “há um duro ataque intencional às políticas sociais e uma ânsia desmedida pelo lucro”. Ao olhar para o campo da educação, Grioux atenta para o fato de que a individualização dos problemas sociais impede o aluno de se engajar em lutas coletivas mais amplas, elimina todo o senso de compromisso social e agride a função da educação em formar cidadãos críticos.
Nessa perspectiva, o Henry Giroux alerta para a criminalização de movimentos sociais, associações populares e grupos identitários minoritários. Ao redor de todo o globo, no mundo contemporâneo, há uma transição da democracia para um autoritarismo fascista que é mais violento, mais excludente, mais alienante e mais perverso do que sua versão moderna, por exemplo em países como Estados Unidos, Brasil, Polônia, Hungria. São movimentos de ultra-direita que promovem a “desimaginação” e a despolitização, além de minar muitas possibilidades de expressar a inteligência e a criatividade.
Giroux alerta que a educação se tornou central para a política neoliberal e justifica: “Além de estar em disputa a hegemonia pela própria função social da educação, não podemos lutar se não soubermos contra quem estamos lutando”. É preciso entender como o poder funciona e travar uma luta coletiva, com a base comunitária, mas não somente a partir das instituições formais”. Seja qual for a luta, ele aponta que deve-se compreender o papel da agência individual e coletiva. Outra consideração está relacionada à responsabilidade dos professores como intelectuais orgânicos à transformação social.
O autor faz uma crítica aos professores que se preocupam mais em divulgar suas obras do que se engajar como intelectuais públicos. Assim, o trabalho dos educadores deve ser acessível à população e efetivamente contribuir para as lutas sociais mais amplas. Giroux argumenta ainda que atualmente já não é mais suficiente apenas ter consciência crítica, é hora de retomar o sentido da práxis, numa teoria que esteja articulada às práticas sociais de resistência e luta. É preciso apoiar e acolher as diferentes novas formas de produção cultural. Nossos estudantes não são mais consumidores passivos de informação. Eles já tem a informação na ponta dos dedos. Agora é necessário que sejam agentes ativos, reais produtores culturais a partir de seu contexto.
Com isso, evidencia-se que a educação não deve formar apenas para os conteúdos curriculares escolares, mas contribuir para a formação humana dos sujeitos e a formação política, formando cidadãos engajados na luta pela democracia e contra o fascismo neoliberal. No entanto, a consolidação dessa proposta educativa demanda a participação ativa em conjunto com os movimentos sociais e culturais para uma formação coletiva mais ampla. São estes grupos que mobilizam as reais necessidades coletivas comunitárias.
As políticas neoliberais apresentam um mundo sem alternativas, congela o presente e sugere que este tempo não pode mudar. Transforma-o em medo e intimidação. “É importante atentar que capitalismo e democracia não são a mesma coisa”, afirma Giroux.
De acordo com o educador, há uma tensão entre a crítica e a possibilidade de agir concretamente na realidade. A falta de esperança gera cinismo, acaba com a possibilidade das pessoas desejarem a transformação. Isso ocorre porque este sistema excludente e violento privatiza até a capacidade de agência, despolitizando e deixando os sujeitos cínicos e apáticos diante da realidade social. Essa é uma estratégia dos governos autoritários e fascistas. Há um antiintelectualismo forte operando de forma binária a distinção entre amigos e inimigos, gerando insegurança e medo. O pensamento científico é atacado e substituído pelo pensamento mágico e religioso. Com isso, configuram-se nas escolas formas particulares de violência do próprio Estado. Algumas já são percebidas como verdadeiros presídios.
Por fim, o professor alerta que “é preciso reescrever o significado da própria democracia. Não pode mais ser só representação, mais do que nunca, precisamos exigir maior participação nas decisões políticas. Não há educação sem política. Toda forma de educação sempre foi e será política, pois a educação é uma construção institucional da sociedade e o único meio pelo qual se torna possível a cidadania real. Por isso os governos autoritários imediatamente tentam destruir a educação, e mais ainda, a cultura.”
O enfrentamento das desigualdades sociais e econômicas e as lutas pela justiça social não podem acontecer sem instituições que promovam formas distintas de luta, conscientização e ação transformadora, pois, sem cidadãos conscientes, livres para pensar sem censura e seguros para fazer política, não há democracia. Giroux finalizou a conversa afirmando que é necessário recuperar o sentido de uma democracia radical, que congregue diferentes identidades ao redor do mundo e una as lutas fragmentadas em interesses particulares.
O encontro foi mais uma das iniciativas que integram o termo de cooperação acadêmica entre a McMaster University e a Universidade Federal do Rio de Janeiro e um passo importante para a consolidação de uma rede Latinoamerica de pesquisa articulando programas, professores, pesquisadores e estudantes do Canadá e países latinos. Estão previstas ainda outras atividades com um segundo seminário por videoconferência em fevereiro de 2020; a provável visita do professor Giroux à Universidade Federal do Rio de Janeiro em junho de 2020 e a publicação conjunta da coleção de livros: Educação, Direitos Sociais e Democracia – Lutas e Desafios Contemporâneos onde foi proposto um intenso debate entre as ideias de Giroux e o trabalho de professores e pesquisadores do Nutes e também de diversas outras instituições brasileiras nas áreas de educação e saúde.